quarta-feira, 5 de maio de 2010

Passeio

1

não haverá um equívoco em tudo isso?
o que será em verdade transparência
se a matéria que vê, é opacidade?
nesta manhã sou e não sou minha paisagem
terra e claridade se confundem
e o que me vê
não sabe de si mesmo a sua imagem.

e me sabendo quilha castigada de partidas
não quis meu canto em leveza e brando
mas para o vosso ouvido o verso breve
persistirá cantando.
leve, é o que diz a boca diminuta e douta.

serão leves as límpidas paredes
onde descansareis vosso caminho?
terra, tua leveza em minha mão.
um aroma te suspende e vens a mim
numas manhãs à procura de águas.
e ainda revestida de vaidades, te sei.
eu mesma, sendo argila escolhida
revesti de sombra a minha verdade.


2

lenta será minha voz e sua longa canção.
lentamente se adensam essas águas
porque um todo de terra em mim se alarga.

e de constância e singeleza tanta,
meus mortos hoje sobre um chão de linhos
por algum tempo guardarão meu ritmo
nos ouvidos da terra. De granito.
pude aclarar a sombras nos oiteiros
e aquecer num sopro o vento da tarde.
mas não vereis ainda meus prodígios
porque haverá lideiras neste outono
e vossos olhos estarão por lá
desocupados do sono, extremados
para uma só visão num só caminho.

(Hilda Hilst)

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